CONSTRUÇÃO E VALIDAÇÃO DE DIAGNÓSTICOS DE ENFERMAGEM PARA PREVENÇÃO DE QUEDAS EM PESSOAS IDOSAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
Palavras-chave:
Idoso, Acidentes por quedas, Diagnóstico de EnfermagemResumo
INTRODUÇÃO
As quedas constituem uma das principais ameaças ao bem-estar das pessoas idosas, pois acarretam impactos significativos na qualidade de vida e representam um importante problema de saúde pública no âmbito mundial (Miranda et al., 2016). Estima-se a ocorrência anual de cerca de 37,3 milhões de quedas graves que demandam atendimento médico e de 646 mil quedas fatais, sendo mais de 80% registradas em países de baixa e média renda (WHO, 2018). No cenário da Atenção Primária à Saúde (APS), o profissional enfermeiro desempenha papel fundamental na identificação e no manejo dos fatores de risco biológicos, comportamentais, ambientais e socioeconômicos, por meio da avaliação multidimensional, da educação em saúde e da promoção do autocuidado durante a consulta de enfermagem. Além disso, a observação do ambiente domiciliar nas visitas domiciliares e a orientação a pessoas idosas, familiares e cuidadores são estratégias essenciais para a prevenção desses eventos (BRASIL, 2006). A Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem (CIPE®), desenvolvida pelo Conselho Internacional de Enfermeiros, constitui um instrumento valioso para descrever, organizar e documentar a prática profissional, por meio de diagnósticos, resultados e intervenções de enfermagem (Garcia, 2019), favorecendo o raciocínio clínico e a padronização da linguagem profissional. Diante desse contexto, o presente estudo teve como objetivo construir e validar diagnósticos e resultados de enfermagem (DE/RE) da CIPE® voltados à prevenção de quedas em pessoas idosas na APS.
METODOLOGIA
Trata-se de uma pesquisa metodológica fundamentada no método brasileiro para desenvolvimento de subconjuntos terminológicos da CIPE®. Este recorte contempla duas etapas: 1) construção e 2) validação de DE/RE voltados à prevenção de quedas em pessoas idosas na APS. A construção baseou-se na “Terminologia especializada de enfermagem para a prevenção de quedas em idosos na atenção primária” (Santos et al., 2021), desenvolvida em etapa prévia da pesquisa, no Modelo de Sete Eixos da CIPE® (versão 2019), na norma ISO 18.104 (International Organization for Standardization - ISO, 2014) e na Teoria do Déficit do Autocuidado (TDAC) de Dorothea Elizabeth Orem (Tannure, 2019). Os DE/RE foram elaborados, organizados em planilha do Excel® e submetidos ao mapeamento cruzado com os conceitos da CIPE® no Access®, identificando termos constantes e não constantes na classificação. Estes últimos foram avaliados quanto ao grau de equivalência segundo a ISO/TR 12300:2016 (Torres et al., 2020) e tiveram definições operacionais elaboradas a partir de terminologias, dicionários, literatura técnica e científica. Em seguida, os enunciados foram classificados conforme os requisitos de autocuidado da TDAC — universais, de desenvolvimento e de desvio de saúde. A etapa de validação foi conduzida por especialistas selecionados segundo os critérios de Fehring, por meio do preenchimento de formulários eletrônicos. A concordância foi analisada pelo Índice de Validade de Conteúdo (IVC), considerando válidos os enunciados com IVC≥0,8. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências e Tecnologias em Saúde da Universidade de Brasília.
RESULTADOS
Foram construídos 182 enunciados de DE/RE. O mapeamento cruzado com os conceitos da CIPE® identificou 104 enunciados constantes e 78 não constantes. Entre os não constantes, 25,6% (n=20) foram classificados com grau 2 de equivalência, 1,3% (n=1) com grau 3, 11,5% (n=9) com grau 4 e 61,5% (n=48) com grau 5. Os enunciados constantes (n=104) receberam grau 1 de equivalência. Os DE/RE classificados com grau 2 (n=20) foram substituídos pelos termos correspondentes da CIPE® e incorporados à lista dos enunciados constantes, totalizando 124. Já os classificados com grau 3, 4 e 5 foram considerados não constantes (n=58). Após a análise de equivalência, foram elaboradas definições operacionais para os DE/RE constantes sem definição na CIPE® e para os não constantes. Na classificação prévia dos DE/RE conforme os requisitos de autocuidado, 69,6% (n=127) foram relacionados aos requisitos de desvio de saúde, 15,5% (n=28) aos requisitos universais, 14,9% (n=27) aos de desenvolvimento. Participaram da validação 28 enfermeiros especialistas, representando as cinco regiões do Brasil, com maior participação das regiões Nordeste (35,7%), Centro-Oeste (25,0%) e Sul (17,9%). Após a avaliação dos especialistas, a distribuição dos enunciados foi ajustada para 51,6% (n=94) nos requisitos de desvio de saúde, 33,5% (n=61) nos universais e 14,9% (n=27) nos de desenvolvimento. Todos os enunciados alcançaram IVC mínimo para validação, variando de 1,00 a 0,80 nos requisitos universais, 0,96 a 0,86 nos de desenvolvimento e 0,96 a 0,82 nos de desvio de saúde (Quadro 1).
Quadro 1 – Exemplos de diagnósticos e resultados de enfermagem da CIPE® construídos e validados, organizados conforme os requisitos de autocuidado e o Índice de Validade de Conteúdo (IVC).
Requisitos de Autocuidado
Diagnósticos/Resultados de Enfermagem*
Desvio de Saúde
Automedicação (0,96); Automedicação, Ausente (0,96); Automedicação, Reduzida (0,96); Capacidade do Cuidador para Executar o Cuidado, Prejudicada (0,96); Capacidade para Transferência, Prejudicada (0,96); Capaz de Andar (Caminhar) (0,96); Capaz de Mobilizar-se (0,96); Capaz de Transferir-se (0,96); Claudicação (0,96); Claudicação, Reduzida (0,96); Confusão (0,96); Confusão, Diminuída (0,96); Cuidador Capaz de Executar o Cuidado (0,96); Cãibras nas Pernas (0,96); Cãibras nas Pernas, Ausente (0,96); Déficit Funcional (0,96); Déficit Funcional, Diminuído (0,96); Edema Periférico (0,96); Edema Periférico, Ausente (0,96); Marcha (Caminhada), Prejudicada (0,96); Mobilidade, Prejudicada (0,96); Neuropatia Periférica (0,96); Neuropatia Periférica, Ausente (0,96); Perfusão Tissular Periférica, Melhorada (0,96); Perfusão Tissular Periférica, Prejudicada (0,96); Sarcopenia (0,96); Sarcopenia, Ausente (0,96); Tremor (0,96); Tremor, Diminuído (0,96). (+ 65 diagnósticos/resultados, validados com IVC entre 0,80 e 0,95).
Universais
Capacidade para Proteção, Eficaz (0,96); Capacidade para Proteção, Prejudicada (0,96); Fadiga (0,96); Fadiga, Ausente (0,96); Fadiga, Reduzida (0,96); Intolerância à Atividade (0,96); Risco de Lesão por Queda (0,96); Risco de Lesão por Queda, Ausente (0,96); Risco de Queda (1,00); Risco de Queda, Ausente (1,00); Tolerância à Atividade, Eficaz (0,96). (+ 50 diagnósticos/resultados, validados com IVC entre 0,80 e 0,95).
Desenvolvimento
Atividade Psicomotora, Melhorada (0,96); Atividade Psicomotora, Prejudicada (0,96); Cinestesia, Eficaz (0,96); Cinestesia, Prejudicada (0,96); Cognição, Melhorada (0,96); Cognição, Prejudicada (0,96); Cognição, nos Limites Normais (0,96); Equilíbrio, Melhorado (0,96); Equilíbrio, Prejudicado (0,96); Força Muscular, Aumentada (0,96); Força Muscular, Reduzida (0,96). (+ 16 diagnósticos/resultados, validados com IVC entre 0,80 e 0,95).
*No resumo, optou-se por apresentar como exemplos os diagnósticos e resultados de enfermagem com IVC ≥ 0,96. As quantidades adicionais correspondem aos enunciados validados com IVC entre 0,80 e 0,95 em cada requisito de autocuidado.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A construção dos 182 DE/RE demonstrou a aplicabilidade da CIPE® na organização da prática clínica relacionada à prevenção das quedas em pessoas idosas na APS. A predominância de conceitos constantes reforça a abrangência da versão mais recente da CIPE® para descrever fenômenos relevantes à prevenção de quedas, enquanto a presença de termos não constantes indica a necessidade de atualização contínua da classificação frente às especificidades do cuidado à pessoa idosa. A adoção da TDAC como referencial teórico orientou, entre outros aspectos, a organização dos enunciados, possibilitando identificar desequilíbrios entre as capacidades de autocuidado e as demandas terapêuticas. Os DE/RE classificados nos requisitos universais e de desenvolvimento refletem necessidades humanas básicas e alterações relacionadas ao processo de envelhecimento, como declínio cognitivo, sensorial e motor, que aumentam a suscetibilidade às quedas. Já a predominância de enunciados relacionados aos requisitos de desvio de saúde evidencia a complexidade das condições clínicas e dos múltiplos fatores de risco presentes nessa população. A classificação dos diagnósticos segundo os requisitos de autocuidado mostrou-se desafiadora, dada a natureza abstrata dos conceitos teóricos e as diferentes interpretações possíveis (Brandão et al., 2018); assim, foi essencial a contribuição dos especialistas para aprimorar essa categorização. A validação evidenciou que todos os DE/RE alcançaram escores e IVC suficientes para validação, resultado que diverge da experiência de outros estudos que trabalharam com validação de terminologias (Passinho et al., 2019; Silva et al., 2021). O elevado índice de concordância entre os especialistas confirma a validade e a clareza dos enunciados elaborados, além de reforçar a relevância dos diagnósticos e resultados propostos para subsidiar o raciocínio clínico e o planejamento do cuidado de enfermagem na APS.
CONCLUSÕES
O estudo possibilitou a construção de 182 DE/RE da CIPE® relacionados à prevenção de quedas em pessoas idosas na APS, acompanhados de definições operacionais quando pertinente. A classificação dos enunciados conforme os requisitos de autocuidado da TDAC evidenciou maior concentração nos requisitos de desvio de saúde, refletindo as demandas clínicas associadas ao risco de quedas. A validação pelos especialistas confirmou a relevância e a clareza dos enunciados, com IVC variando de 1,00 a 0,80 nos diferentes requisitos. Os resultados ressaltaram a importância dos DE/RE na prática profissional para fortalecer o raciocínio clínico e viabilizar o planejamento de ações efetivas voltadas à prevenção de quedas em pessoas idosas. A utilização desses diagnósticos pode favorecer uma assistência mais segura, individualizada e fundamentada em evidências, contribuindo para o protagonismo do enfermeiro na promoção da saúde e na prevenção de agravos no público de pessoas idosas.
REFERÊNCIAS
BRANDÃO, Marcos Antônio Gomes et al. Theoretical and methodological reflections for the construction of middle-range nursing theories. Texto & Contexto - Enfermagem, v. 26, 8 jan. 2018.
BRASIL. Cadernos de atenção básica: Envelhecimento e saúde da pessoa idosa. Ministério da Saúde, , 2006.
GARCIA, Telma Ribeiro (ORG.). Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem CIPE: Versão 2019-2020. Porto Alegre: ArtMed, 2019.
INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION - ISO. ISO 18104:2014: Health informatics — Categorial structures for representation of nursing diagnoses and nursing actions in terminological systems. , 2014. Disponível em: <https://www.iso.org/standard/59431.html>
MIRANDA, Gabriella Morais Duarte et al. Population aging in Brazil: current and future social challenges and consequences. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, v. 19, n. 3, p. 507–519, jun. 2016.
PASSINHO, Renata Soares et al. Elaboration and validation of an ICNP® terminology subset for patients with acute myocardial infarction. Revista da Escola de Enfermagem da USP, v. 53, 21 fev. 2019.
SANTOS, Paulo Henrique Fernandes dos et al. Specialized nursing terminology for the prevention of falls in the elderly in primary care. Revista da Escola de Enfermagem da USP, v. 55, p. e20210271, 18 out. 2021.
SILVA, Ilisdayne Thallita Soares da et al. Terminological subset of the International Classification for Nursing Practice for patients hospitalized due to burns. Revista da Escola de Enfermagem da USP, v. 55, 16 ago. 2021.
TANNURE, Meire Chucre. Teoria do Déficit do Autocuidado / Dorothea Elizabeth Orem. In: SAE: Sistematização da assistência de enfermagem: guia prático. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2019. p. 340.
TORRES, Fernanda Broering Gomes et al. ISO/TR 12300:2016 for clinical cross-terminology mapping: contribution to nursing. Revista da Escola de Enfermagem da USP, v. 54, 15 jul. 2020.
WHO. Falls. Disponível em: <https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/falls>. Acesso em: 3 fev. 2021.
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