O TREINAMENTO MULTICOMPONENTE DE INTENSIDADE MODERADA MELHORA O CONTROLE GLICÊMICO E O PERFIL LIPÍDICO DE PESSOAS IDOSAS COM SOBREPESO E OBESIDADE.

Autores

  • Marilene Ghiraldi Universidade Cesumar (UniCesumar) – Programa de Pós-Graduação em Promoção da Saúde (PPGPS) Autor
  • Endriw Noronha Universidade Cesumar - UNICESUMAR Autor
  • Deborah Marques Universidade Cesumar - UNICESUMAR Autor
  • Fabiano Mendes Universidade Cesumar - UNICESUMAR Autor
  • Leonardo de Paula Universidade Cesumar - UNICESUMAR Autor
  • Braulio H. Magnani branco Universidade Cesumar - UNICESUMAR Autor

Resumo

Mais de 60% dos idosos brasileiros (≥60 anos) que vivem nas capitais sofrem com sobrepeso, e mais de 20% apresentam simultaneamente obesidade e múltiplas condições crônicas (Rodrigues et al., 2021). Essa combinação está associada a um aumento de três vezes no risco de incapacidade, redução da qualidade de vida e maior probabilidade de hospitalização, institucionalização e morte precoce (Hu et al., 2020).

O treinamento físico é considerado um tratamento de baixo custo e de primeira linha para indivíduos com sobrepeso e obesidade, pois tem demonstrado melhorar parâmetros metabólicos relacionados a doenças crônicas não transmissíveis, como o controle glicêmico e o perfil lipídico (Tomeleri et al., 2016).

Nesse contexto, diversos estudos têm buscado determinar o valor terapêutico de diferentes modalidades de exercício para idosos com sobrepeso e obesidade (Da Silva Gonçalves et al., 2023). Um método que ganhou destaque entre a população idosa nos últimos anos é o treinamento multicomponente (TMC), reconhecido como uma estratégia de baixo custo que combina exercícios de equilíbrio, força, alongamento e resistência (Izquierdo & Cadore, 2024). Há evidências consistentes de que o TMC pode melhorar as funções muscular, cognitiva e cardiorrespiratória em idosos sob peso corporal normal (Cancela et al., 2020), além de promover benefícios em biomarcadores de perfil lipídico e controle glicêmico. Contudo, o efeito do TMC sobre o perfil glicêmico e lipídico de idosos com sobrepeso e obesidade ainda requer esclarecimentos.

Assim, o objetivo deste estudo foi investigar os efeitos de um programa de TMC de 36 semanas, em intensidade moderada sobre o controle glicêmico (glicemia de jejum) e sobre o perfil lipídico (triglicerídeos, colesterol total, LDL-c e HDL-c) de idosos com sobrepeso ou obesidade. A hipótese do estudo era de que o TMC promoveria melhorias em ambos os desfechos nesse público.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo quase experimental, de delineamento longitudinal e abordagem quantitativa, conduzido na Universidade Cesumar (UniCesumar), no município de Maringá, Paraná. Inicialmente, 86 idosos foram recrutados por meio de mídia televisiva, rádio e redes sociais, os quais deveriam ter 1) Idade ≥60 anos; 2) Sobrepeso (IMC≥25 kg/m²) ou obesidade (IMC≥30 kg/m²); 3) Massa gorda ≥ 21 kg; 4) Capacidade de compreender e assinar o termo de consentimento; 5) Liberação médica para a prática de exercícios. Foram excluídos aqueles com doenças neurológicas graves (como Alzheimer ou Parkinson), câncer ou arritmias cardíacas. Medicamentos controlados foram permitidos desde que o tratamento estivesse estável há pelo menos seis meses. Após triagem, 50 idosos (40 mulheres e 10 homens) foram incluídos, sendo 29 com sobrepeso e 21 obesos. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética (nº 3.373.307).

Cada participante realizou 36 semanas de TMC, com avaliações em quatro momentos: pré-intervenção, 12, 24 e 36 semanas. Nessas avaliações, foram realizadas coletas de sangue (em jejum) para glicemia, triglicerídeos, colesterol total, HDL-c e LDL-c. Os participantes foram orientados a evitar álcool, cafeína e exercícios não habituais nas 24h anteriores às avaliações. Além disso, para aumentar a adesão, reuniões educativas semanais abordaram nutrição, benefícios do exercício e saúde emocional, conduzidas por nutricionistas e psicoterapeutas. O programa de TMC começou 1 semana após as avaliações iniciais e teve duração de 36 semanas, com 2 sessões semanais de 60 minutos, supervisionadas por profissionais especializados (máximo de 16 alunos por grupo). Cada sessão incluiu 10 min de equilíbrio (exercícios de marcha, apoio unipodal, movimentos com bola etc.); 20 min de força muscular (leg press, flexão e extensão de joelhos, puxada e supino sentado); 20 min de resistência aeróbica (esteira ou bicicleta ergométrica); 10 min de alongamento estático (isquiotibiais, quadríceps, gastrocnêmio, deltóides e peitorais). A intensidade foi monitorada por escalas de esforço percebido (OMNI e Borg), mantendo a sensação de “moderadamente difícil” (níveis 5–7 ou 12–14).

A ingestão alimentar foi analisada antes e após as 36 semanas, por meio de três recordatórios de 24 horas (dois dias de semana e um de fim de semana), avaliados com o software Dietbox por nutricionista. Os dados foram expressos em médias ± desvios-padrão. Diferenças entre os tempos foram analisadas por ANOVA de medidas repetidas com correção de Bonferroni. O tamanho do efeito foi estimado pelo coeficiente W de Kendall, e o nível de significância adotado foi p≤0,05. As análises foram conduzidas no software SPSS.

RESULTADOS

Com exceção do colesterol total (Figura 1, painel E; p = 0,380; W = 0,043; Δ = -18,0), foi observado um efeito principal do tempo para a glicose plasmática em jejum (Figura 1, painel A; p < 0,001; W = 0,488; Δ = -21,2), triglicerídeos (Figura 1, painel B; p = 0,011; W = 0,057; Δ = -13,3), HDL-c (Figura 1, painel C; p = 0,001; W = 0,115; Δ = 4,1) e LDL-c (Figura 1, painel D; p < 0,001; W = 0,147; Δ = -14,5). Esses resultados indicam que todos esses parâmetros apresentaram alterações significantes em comparação aos valores basais.

Figura 1: Desfechos bioquímicos sanguíneos no período pré-intervenção, 12, 24 e 36 semanas pós-intervenção.

O símbolo * refere-se a diferença em comparação ao período pré-intervenção.

O símbolo # refere-se a diferença em comparação ao período pós-12 semanas.

Não foram identificadas diferenças significantes entre os períodos de intervenção para qualquer parâmetro do consumo alimentar (todas as comparações, p>0,05; Tabela 1).

Tabela 1. Consumo energético e de macronutrients no período pré-intervenção e pós-12 semanas de intervenção.

 

Pré-intervenção

36 semanas

p*

Calorias (kcal)

1511 ± 488

1525 ± 588

0.954

Proteínas (g)

65.2 ± 21.1

70.1 ± 37.6

0.466

CHO (g)

204.8 ± 95.8

184.3 ± 66.2

0.286

Gordura (g)

46.4 ± 17.3

56.4 ± 34.7

0.081

Proteína (g/kg/dia)

0.94 ± 0.39

0.96 ± 0.57

0.821

Os dados estão expressados como média ± desvio-padrão. Nenhuma diferença significante foi detectada. CHO=carboidrato.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

O aumento da prevalência de sobrepeso e obesidade entre idosos representa um grande desafio de saúde pública e dificulta o cuidado profissional. A obesidade está associada a distúrbios metabólicos e acelera a perda de função muscular relacionada à idade, aumentando o risco de fragilidade e perda de independência (Zizza et al., 2002). O presente estudo mostrou que um programa TMC de intensidade moderada pode melhorar o controle glicêmico e o perfil lipídico em idosos com sobrepeso e obesidade.

As diferentes respostas observadas nos parâmetros do perfil lipídico neste estudo já eram esperadas, pois pesquisas anteriores demonstraram que o exercício não afeta de forma uniforme todos os lipídios plasmáticos. Revisões abrangentes (Durstine et al., 2001) indicam que o exercício, em geral, tem pouca influência sobre o colesterol total e sobre o LDL-c, enquanto os efeitos mais consistentes estão relacionados à redução dos triglicerídeos plasmáticos e ao aumento do HDL-c.

Apesar da redução inesperada no LDL-c, nossos resultados estão de acordo com esses achados, já que o programa de TMC resultou em um aumento significante do HDL-c e em uma diminuição dos triglicerídeos plasmáticos. Essas mudanças são consistentes com outros estudos que aplicaram programas de TMC em idosos com peso normal (Carvalho et al., 2010) e também em indivíduos com doença arterial coronariana (Tokmakidis & Volaklis, 2003).

Os mecanismos que explicam essas alterações não foram foco do presente estudo, mas podem envolver aumento da atividade da lipoproteína lipase no músculo esquelético, maior densidade capilar e melhor capacidade de captação e utilização de ácidos graxos (Seip & Semenkovich, 1998).

Paralelamente, observou-se uma redução significativa da glicemia de jejum após a intervenção, evidenciando a relevância clínica do TMC para idosos com intolerância à glicose ou diabetes. No entanto, o efeito do TMC sobre a glicemia de jejum não é completamente claro, pois alguns estudos não observaram melhora significante (Plotnikoff et al., 2010). A ausência de melhora em estudos anteriores pode estar relacionada a um possível “efeito teto”, em que os participantes já apresentavam diabetes bem controlado. Outra explicação possível seria o pequeno aumento de massa magra após o TMC, já que há uma relação inversa entre ganhos de massa magra e níveis de glicose em jejum (Castaneda et al., 2002). Curiosamente, no presente estudo houve melhora na glicemia de jejum sem alteração na massa livre de gordura, o que sugere que mecanismos não monitorados, como maior sensibilidade à insulina e aumento da expressão e atividade do transportador de glicose GLUT4 no músculo esquelético (Koh, 2016), possam estar envolvidos nessa adaptação positiva.

Entre as limitações do estudo, destaca-se a amostra selecionada por conveniência e ausência de grupo controle. Ademais, a duração de 36 semanas pode ser considerada adequada, mas ainda insuficiente para mudanças duradouras na qualidade de vida.

CONCLUSÕES

Em resumo, os resultados fornecem evidências de que programas de treinamento multicomponente de intensidade moderada têm efeitos benéficos sobre o controle glicêmico e o perfil lipídico de idosos com sobrepeso e obesidade. Portanto, esses programas devem ser considerados no cuidado e manejo dessa população.

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Publicado

20.11.2025