DOZE SEMANAS DE INTERVENÇÃO MULTIPROFISSIONAL SÃO CAPAZES DE MELHORAR MARCADORES FUNCIONAIS EM PESSOAS IDOSAS?

Autores

  • Marilene Ghiraldi Universidade Cesumar (UniCesumar) – Programa de Pós-Graduação em Promoção da Saúde (PPGPS) Autor
  • Deborah Marques Universidade Cesumar - UNICESUMAR Autor
  • Anderson Brandão Universidade Cesumar - UNICESUMAR Autor
  • Zeinab El Haji Universidade Cesumar - UNICESUMAR Autor
  • Endriw Noronha Autor
  • Dr. Braulio H. Magnani Branco Autor

Palavras-chave:

Envelhecimento; Força Muscular; Promoção da Saúde.

Resumo

O envelhecimento populacional é um fenômeno global, provocando impactos diretos nos sistemas de saúde pública e representa um grande desafio para a manutenção da autonomia funcional, sobretudo pelo aumento das doenças crônicas, da fragilidade e da qualidade de vida de pessoas idosas (Sim; Koo; Jeong, 2024). Entre as alterações fisiológicas mais marcantes dessa fase da vida, destacam-se a redução da massa magra, a diminuição da força muscular e o declínio da capacidade funcional, fatores centrais no desenvolvimento da sarcopenia e da síndrome da fragilidade (Cruz-Jentoft et al., 2019).

Nessa perspectiva, o índice de massa livre de gordura (FFMI) tem se destacado como um marcador sensível da condição muscular e do estado nutricional de pessoas idosas (Beaudart et al., 2017). Por ajustar a massa magra à altura corporal, o FFMI permite comparações mais precisas entre indivíduos e diferentes populações (Kyle et al., 2001; Beaudart et al., 2017). Valores reduzidos desse índice estão associados à menor força, mobilidade comprometida, maior risco de quedas e elevação da mortalidade (Beaudart et al., 2017). Apesar disso, evidências sugerem que intervenções de curta duração podem produzir mudanças expressivas na composição corporal, ainda que promovam ganhos relevantes de desempenho funcional (Fragala et al., 2019; Kim et al., 2021).

Programas multiprofissionais que integram exercício físico supervisionado, acompanhamento nutricional e suporte psicológico têm se mostrado eficazes na prevenção do declínio funcional e na redução do risco de fragilidade (Cadore et al., 2020; Beaudart et al., 2022). Contudo, ainda não há consenso sobre o tempo necessário para promover melhorias significativas em marcadores funcionais e na composição corporal de idosos. Assim, o presente estudo teve como objetivo avaliar os efeitos de um programa multiprofissional de 12 semanas sobre a composição corporal, o FFMI e os marcadores funcionais de aptidão física em idosos participantes de um projeto de promoção da saúde.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo quase experimental, de delineamento longitudinal e abordagem quantitativa, conduzido na Universidade Cesumar (UniCesumar), no município de Maringá, Paraná. A amostra selecionada por conveniência, foi composta a partir de recrutamento realizado por meio de divulgações em unidades básicas de saúde, mídias locais. Participaram do estudo 152 idosos (68,14 ± 5,32 anos), de ambos os sexos, residentes na comunidade. A maioria dos participantes era composta por aposentados e apresentava, ao menos, uma condição crônica controlada, como hipertensão arterial sistêmica ou diabetes mellitus tipo 2.

Os critérios de inclusão contemplaram indivíduos com idade igual ou superior a 60 anos, clinicamente estáveis, com independência para locomoção (com ou sem auxílio), ausência de declínio cognitivo grave (avaliado por instrumento específico) e disponibilidade para comparecimento às sessões semanais durante todo o período da intervenção. A triagem também considerou a aptidão física mínima necessária para a execução dos exercícios, sendo excluídos os que iniciaram o protocolo, mas interromperam sua participação por qualquer motivo, e que não completaram pelo menos 75% das sessões no projeto multiprofissional. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da UniCesumar (parecer nº 3.373.307/2019), e todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, em conformidade com as diretrizes éticas estabelecidas pela Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde.

As avaliações foram realizadas antes (pré) e após (pós) a intervenção. A estatura foi mensurada utilizando estadiômetro Sanny® Standard, conforme padronização de Lohman, Roche e Martorel (1991), enquanto a massa corporal (kg), índice de massa corporal (IMC) massa gorda (MG), e massa livre de gordura (MLG) foi obtida pelo analisador de composição corporal InBody 570® (InBody, BioSpace, Coreia do Sul). O índice de massa livre de gordura (FFMI) foi calculado pela equação FFMI = MLG (kg) / altura² (m²), escolhida por refletir de maneira ajustada a reserva muscular em relação à estatura e reduzir a influência de variações antropométricas individuais (Kyle et al., 2001).

A aptidão funcional foi avaliada por dois testes amplamente utilizados em populações idosas: o Timed Up and Go (TUG), que mensurou o tempo, em segundos, necessário para levantar-se de uma cadeira, caminhar três metros, retornar e sentar-se novamente, e o teste de Sentar e Levantar em 30 segundos, que avaliou o número total de repetições completas realizadas dentro desse intervalo. Ambos os protocolos apresentam validade e reprodutibilidade reconhecidas na avaliação da mobilidade e força de membros inferiores.

As intervenções foram conduzidas no LIIPS, ao longo de 12 semanas. O protocolo consistiu em encontros semanais com abordagem multiprofissional com psicoeducação - com profissionais da psicologia visando o fortalecimento emocional e estímulos e práticas saudáveis, e orientações nutricionais - com profissionais da nutrição, na qual abordaram ações nutricionais sobre promoção de uma alimentação saudável baseada no Guia Alimentar para a População Brasileira, ambos (1x por semana, 30 min/cada). Além disso, foram submetidos a exercícios físicos supervisionados (3x por semana, 60 min). As sessões de exercícios físicos seguiram o modelo de treinamento funcional e resistidos em circuito, com foco na melhora da capacidade cardiorrespiratória, força muscular, equilíbrio e mobilidade.  

Os dados foram analisados no software SPSS Statistics® versão 25.0 (IBM Corp., Armonk, NY, EUA). A normalidade das distribuições foi verificada pelo teste de Shapiro–Wilk, adotando-se p > 0,05 como indicativo de normalidade. Para as comparações entre os momentos pré e pós-intervenção, foi aplicado o teste t de Student para amostras pareadas ou, quando apropriado, o teste não paramétrico de Wilcoxon. As variações (Δ) foram obtidas pela diferença entre os valores pós e pré-intervenção (pós – pré) e utilizadas nas análises de correlação de Pearson para verificar a associação entre ΔFFMI, ΔTUG e ΔSeL. O nível de significância adotado foi de p < 0,05, e o tamanho do efeito foi calculado segundo a magnitude proposta por Cohen (1988): pequeno (0,2–0,4), moderado (0,5–0,7) e grande (≥0,8). Esse conjunto de procedimentos estatísticos foi empregado por permitir não apenas a detecção de diferenças significativas, mas também a estimativa da relevância prática dos resultados, assegurando a reprodutibilidade e a robustez da análise.

RESULTADOS

A amostra final foi composta por 152 pessoas idosas, com média de idade de 68,14 ± 5,32 anos, que concluíram todas as etapas da intervenção multiprofissional. As características antropométricas, de composição corporal e de desempenho funcional foram apresentadas na Tabela 1.

Tabela 1. Características antropométricas, de composição corporal e de desempenho funcional antes e após 12 semanas de intervenção multiprofissional.

Dados

Pré-Intervenção

Pós-intervenção

Valor de p

Peso (kg)

72,6 ± 11,8

72,4 ± 11,6

0,575

Estatura (m)

1,59 ± 0,09

1,59 ± 0,09

-

IMC (kg/m2)

28,7 ± 4,2

28,6 ± 4,1

0,471

MG (kg)

27,9 ± 8,4

28,0 ± 8,5

0,273

MLG (Kg)

44,9 ± 9,7

44,8 ± 9,8

0,691

FFMI

17,2 ± 2,3

17,1 ± 2,4

0,435

Levantar e sentar (r)

16,6 ± 4,1

17,7 ± 4,0

< 0,001

TUG (s)

6,7 ± 1,8

6,5 ± 1,7

0,020

Nota: Valores expressos em média e desvio padrão (±); IMC = Índice de massa corporal; MG = Massa Gorda; MLG = Massa Livre de Gordura; FFMI = Índice de massa livre de gordura; TUG = Time and go; r = repetições; s = segundos.

Após as 12 semanas de intervenção, observou-se melhora significativa nos marcadores funcionais. O teste de Sentar e Levantar em 30 segundos apresentou aumento médio de 1,21 ± 3,28 repetições (p < 0,001), enquanto o tempo no teste TUG reduziu-se em 0,20 ± 1,05 segundos (p = 0,020), indicando ganhos em força de membros inferiores, agilidade e equilíbrio dinâmico. Esses resultados demonstram que o programa foi eficaz em promover melhorias relevantes na funcionalidade em um curto período de tempo.

Por outro lado, as variáveis de composição corporal, peso, IMC, MG, MLG e FFMI não apresentaram diferenças significativas entre os momentos pré e pós-intervenção (p > 0,05). As pequenas variações observadas não atingiram significância estatística, sugerindo que as adaptações funcionais iniciais ocorreram principalmente por mecanismos neuromusculares e de coordenação motora, e não por mudanças estruturais na massa magra.

A análise de correlação entre as variações (Δ) do FFMI e o desempenho funcional demonstrou ausência de associação significativa entre ΔFFMI e ΔSeL (r = −0,105; p = 0,197), bem como entre ΔFFMI e ΔTUG (r = −0,002; p = 0,977). Esses resultados indicam que a melhora na capacidade funcional não esteve diretamente relacionada à variação na massa magra relativa. De forma geral, o programa multiprofissional de 12 semanas foi capaz de melhorar significativamente o desempenho físico dos participantes, mesmo sem alterações detectáveis na composição corporal, evidenciando a importância de estratégias integradas e contínuas para a promoção da autonomia e do envelhecimento ativo.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Este estudo teve como objetivo avaliar os efeitos de um programa multiprofissional de 12 semanas sobre a composição corporal, FFMI e os marcadores funcionais de aptidão física em pessoas idosas participantes de um projeto de promoção da saúde. Os resultados indicam que o programa foi efetivo em promover melhorias significativas no desempenho funcional, com destaque para o aumento no número de repetições do teste de Sentar e Levantar e para a redução no tempo do teste TUG (p<0,05). Por outro lado, não foram observadas alterações significativas na composição corporal nem no FFMI ao final da intervenção (p>0,05).

Esses achados estão em consonância com estudos que apontam que as adaptações funcionais precedem as alterações estruturais em programas de curta duração voltados à população idosa. De acordo com Fragala et al. (2019) e Beaudart et al. (2017), o ganho de força, equilíbrio e agilidade nas primeiras semanas de treinamento decorre, principalmente, de ajustes neuromusculares como motor, sincronização entre unidades motoras e aumento da eficiência dos movimentos e não de modificações expressivas na massa magra. Esse tipo de adaptação inicial explica o fato de o grupo ter melhorado sua capacidade funcional mesmo sem mudanças significativas na composição corporal.

ausência de correlação entre o ΔFFMI e os testes funcionais também reforça essa interpretação. Ainda que valores mais elevados de FFMI estejam associados a melhor desempenho físico em idosos, o aumento desse índice costuma demandar períodos de treinamento mais longos e estímulos de sobrecarga progressiva (Kim et al., 2021). Assim, a manutenção do FFMI observada neste estudo pode ser interpretada como um resultado positivo, especialmente porque ocorreu paralelamente à melhora da funcionalidade e sem indícios de perda de massa magra.

Estudos recentes destacam que o suporte emocional e a educação alimentar potencializam os efeitos do exercício físico e contribuem para a manutenção da autonomia e da qualidade de vida (Cadore et al., 2020; Beaudart et al., 2022). Embora o programa não tenha promovido mudanças significativas em variáveis antropométricas, esse resultado não deve ser entendido como limitação, mas como uma característica natural do processo adaptativo (Liu et al., 2024). Alterações mensuráveis na composição corporal geralmente requerem períodos superiores a 16 semanas de intervenção e estão fortemente relacionadas à intensidade do treino e à adequação do consumo proteico (Seo et al., 2021; Unterberger et al., 2022).

CONCLUSÕES

Em síntese, o estudo conclui que doze semanas de intervenção multiprofissional foram eficazes para melhorar a funcionalidade de pessoas idosas, com ganhos significativos nos testes de Sentar e Levantar e Timed Up and Go, mesmo sem alterações expressivas na composição corporal ou no índice de massa livre de gordura (FFMI). Esses resultados indicam que as adaptações iniciais ocorrem principalmente em nível neuromuscular e comportamental, reforçando o papel das estratégias multiprofissionais integradas — envolvendo exercício físico, orientação nutricional e suporte psicológico — como ferramentas viáveis e efetivas para promover o envelhecimento ativo e preservar a autonomia funcional

 

 

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Publicado

19.11.2025